Vida adotada
- irenegenecco
- 25 de mai.
- 2 min de leitura

Parte IV - A transição
Com relação ao meu pai adotivo, Manoel Paiva Carvalho de Azambuja, tenho algumas lembranças de suas conversas a respeito da sua infância. Também fugiu de casa, aos 15 anos, onde nasceu, em Bagé. Acredito que seus motivos de fuga não fossem muito diferentes do meu pai biológico. E coincidentemente, ambos de nome Manoel. Minha noção, com respeito ao sentimento de pertença nesta família de adoção, nasceu de visitas, em tardes de domingo, com bolinhos de chuva, muita risada, simplicidade e acolhimento, na casa de sua irmã e sobrinhos, reencontrados e reunidos, também, depois de adultos. Tenho doces lembranças de abraços, gestos de carinho, e palavras gramaticalmente erradas, mas decididamente amorosas, que carrego como joias preciosas, ainda hoje. Minha tia Negra, seu marido tio João, e meu tio Viriato são imorredouros no meu coração.
Com relação à minha mãe adotiva, Lídia Simone, enamorou-se de meu pai adotivo, ainda muito jovem. Desconheço como se encontraram. Porém, meu pai adotivo era caixeiro-viajante. A família dela não aceitava este romance e este enlace, por acreditarem haver muita diferença intelectual e financeira entre eles. Porém, ela brigou com toda a família e casou-se. Depois de 20 anos casados, sem filhos, me adotaram. Pelo que lembro, ela era apaixonada por ele. Talvez a condição de viajante acendesse nela o desejo de presença e aconchego, motivo de grande efusividade e alegria, quando ele retornava de viagem. Porém lembro também de seu perfil na janela, domingos de tarde, futebol no rádio, e uma distância imensurável de sua presença no pequeno apartamento, onde morávamos. Parecia estar mergulhada no passado. Talvez lembrando das dores do desencontro com suas raízes.
Para complementar minha história familiar (bastante resumida), reporto-me à minha madrasta, Lila Messias. Era viúva há 10 anos. Trabalhava numa loja de porte, em Uruguaiana, onde nascera. Seu primeiro casamento de 10 anos parecia ter sido harmonioso. Viúva, então, dona de si, com seu dinheiro próprio, coisa muito rara, na época, conheceu meu pai adotivo, em uma de suas viagens de trabalho. Ele, há um ano viúvo, premia por uma companheira que me olhasse e cuidasse da casa. principalmente durante sua ausência, em viagem. Ela encantou-se com a proposta de casamento. Tinha então 40 e poucos anos. As promessas dele foram irrecusáveis. Prometia morada e vida de rainha. Porém, claro, promessas humanas dificilmente correspondem a realidades. Ainda mais quando são feitas sob a pressão de necessidades próprias, à sombra de grandes aflições, como era a situação presente do meu pai adotivo. Casaram-se, ela mudou-se para Porto Alegre e deu de cara com uma adolescente de quase 12 anos, revoltada com a vida, carente de família, e desiludida com os acenos do próprio destino. Foi um período muito tumultuado para ambas. Só hoje, há muito pouco tempo, aprendi a ser-lhe um pouco grata, pelo que pode fazer, em meio a suas próprias turbulências e decepções.
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