Acho que esta força que me move é mole, macia, poderosa e eterna. A dureza quebra, o flexível balança, se curva, circula, bamboleia e permanece, até o fim do vendaval. Esta sou eu, com minha mornidão, suposta paciência e muito desejada humildade, que ainda assim são roupas, porém íntimas, resquícios de minhas inseguranças. E se eu falhar? E se todos forem embora? E se eu ficar num deserto sem água? E se todos me expulsarem da cidade para a periferia? E se faltar o sim para mim? Porque morreram e fiquei órfã. Porque morreram e fiquei órfã. Porque morreram e fiquei ÓRFÃ!!!! É minha bandeira despatriada. Cada vez que me olham atravessado, com olhos dissimulados me dizendo em silêncio: Não vales nada! Então visto o personagem vendilhão. Não quero ficar órfã de meus filhos, do meu parceiro, da minha família, dos meus amigos, do mundo! Todos eles e tudo o que os acompanha são meus pais que me deixaram órfã. Tudo isto é pano de fundo para minha escrita. Nasci para escrever. O impacto destes acontecimentos todos me moldaram com alma de escritor. Nisto tudo meus valores se forjaram nos píncaros da escala humana. Tábuas dos mandamentos. Claro que nunca acho que cheguei lá. E aí fico na rasante, num solo úmido, às vezes charco, onde me reconheço habitante. Busco a integridade, porque me sinto sempre aos pedaços. E o outro sempre é um pedaço meu, que eu gostaria de colar à minha imagem de Puzzle. Há peças perdidas, talvez. Eu as refaço, transparentes. O cenário romântico, fantástico e meio surreal é um bosque onde estou de contínuo plantando flores de espécies raras. Estas flores são reais, elas me encantam e me trazem a certeza esperançosa de um dia voltar para casa. É isto. Sinto-me perdida. Mas reconheço em mim uma sagacidade, inteligência, voracidade e poder intermináveis, em contraste com minhas certezas de insignificância. Como se meu faro fosse infalível, sei que estou perto.
Quero me tornar o que já sou. Ninguém deseja o que de antemão já não esteja vendo que existe: mansidão, benignidade, embevecimento, entrega, amor eterno. Amo a vida e tudo o que nela se manifesta. Quero levar o meu hino a outros ouvidos, para que ouçam e se embeveçam, e encontrem também a estrada de volta à ressurreição do amor em carne e osso. O espírito. Um dia vi seres celestiais descendo do ônibus, no centro da cidade, em Floripa, enquanto eu esperava no cordão da calçada, para entrar. Eram anjos que flutuavam, e tive vontade de abraçá-los. Embora talvez alguns pensem que eu vagueava em alguma substância, eu estava sóbria, como sempre fui. Mas porosa, como sempre fui também, capaz de absorver o universo, num lapso de piscar de olhos, sem palavra alguma. Tive certeza de que estava no mundo errado, ao ver o burburinho estéril de vultos se esvaindo pelas esquinas. Porque não estavam todos dançando? Um dia estarei nua, vestida apenas de alma, que é minha pele incorruptível. Minha competência é ter bons olhos e bons ouvidos para a natureza. Nem as pedras escapam do meu discernimento do seu redemoinho de átomos em turbulência, que contudo não me livram de indagações eternas. Sei que as pedras falam, sentem e ouvem, ao seu modo. Tenho o dom de reconhecer e partilhar minha admiração com a infinitude da vida. Isto já é vida plena. Independente dos tropeços, das quedas e dos desvios.
O maior equívoco das pessoas a meu respeito é quando pensam que sou desamorosa. Aprendi a ser desapegada, esta é a única verdade. A vida me empurrou esta cartilha peito adentro e cabeça afora. Neste desapego às vezes a solidão vem me visitar, e me açoita impiedosamente. Mas o que me tira deste poço escuro é saber que não sou única, e que outros tantos talvez sejam também açoitados, com cordas de aço ainda mais afiadas. Meu propósito de vida é levar-lhes o único unguento que a tudo restaura e cura: o amor. Escrevo em papel de seda o que me estraçalha, para que vejam que sobrevivi, e que dou glória à vida. Quero levar minha trajetória ao vento, para que se espalhe. Mesmo que em caminhos travestidos de sonhos e pesadelos num enredo imaginado, de suposta ficção, ou ficção de fato. A Arte imita a vida e a vida imita a arte. Escrevo.
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