Olhar a tudo como se invisível fosse gera indiferença. Tanto faz como tanto fez é como cisco que o vento leva, sem ter sido carimbado pela emoção. Deste selo não abro mão. De algum modo me acomodo em seu conturbado leito e me deleito em puros voos de perfeição. Ah, o perfeito! Mas feito? Lembra passado, e isto é abstrata morte, de uma redundância que incomoda. Do indizível e do invisível tiro coisas concretas, antes de podadas serem pela indiferença. Desvendo o amor-amar, numa luta de intervalos doloridos entre si, que ninguém, deliberadamente, tem tempo de ver. Porém, se o amor fosse só uma palavra, amar não seria. Este é ato e desato – ação! Observo, como um servo da beleza. O mar me mostra coisas de fato. Minha ação, numa assombrada grandeza, me molda inteira, em desbragadas ondas. Sinto nisso a força do oceano inteiro em luta para despregar-se da gravidade. Porém é este embate que apaixona e escraviza. O mar não sabe de si, ele só é. Eu sei de mim, ainda que em pretensão ou soberbice.
Quisera ter esta leveza de brisa, da inconsciência gerada pela pura absorção no ato em si, que para mim, está só nos livros. Quando era mais jovem me absorvia com mais sofreguidão ao imediato, às exigências do agora estabelecido, o que em si seria já uma falácia. Embora as cordas da interrogação nunca tivessem se rompido, e volta e meia me puxassem para o mais profundo. Quisera hoje ser livre como as ideias que da liberdade falam. Porém ser é agir e agir cansa. Falar já é um ato, mas truncado pelo meio, porque qualquer um, em qualquer condição pode fazê-lo, nem que só em pensamento - voz ininterrupta que rouba qualquer chance de pensar algo novo. Diálogo infinito e enfadonho, acordado ou em sonho se tem consigo mesmo, o que em verdade, em verdade, monólogo é. Porém, quando a fala emudece em si e vira ação, aí é viração. A dor é vista e sentida. Ninguém é só mais um. A dor enobrece. A alegria, quando não justificada aos padrões é loucura. A opressão da coisa dada é lei. Por isto escrevo, porque também é falar, de um modo menos turbulento do que viver.
Minha dor não tem nome. Dou-lhe este, porque me tira a fome de agulhar o outro. Sentir minha dor me aproxima do outro, ainda que virtualmente. Entretanto... Ah, entre tantos! Sussurros na madrugada solitária, malditos de oposição a mim, me dizem que a dor não tem fim. O Cristo está para sempre sendo crucificado, nunca morre para ressuscitar. É este prazer em se comprazer na dor do outro que nos parece eximir de senti-la. E eu, neste mar de solidão, rasgo o coração – do outro é melhor! E sou mais um expectador, que soa aos meus ouvidos como espeta a dor. Tento lembrar da palavra que carimba quem tem prazer em fazer o outro sofrer. Também do seu oposto, que se compraz em acalentar a própria dor. Me falha a memória ⃰. Ela se ausenta neste ato, deste agora. Isto me parece um bom sinal, ressalta o desejo de calar a dor.
De fato, nisto tudo vislumbro na penumbra o Senhor na minha servidão. Ele é senhor circunstancial, na consciência nublada e circunscrita pela aparência, aparentemente exuberante e promissora de maravilhas, que me afundam na escuridão servil dos sentidos mortais. Tu, Senhor indizível, de voz mansamente audível nas minhas profundezas, me libertas das baixezas vazias de substância, entre o que é e o que não é.
Nestes voos errantes descubro e fico com o que é. Trago comigo, nos meus bolsos de carne dolorida composta de fios frágeis e mortais, esta pérola. Este tesouro me nutre de cura, e dilui o que não é, aos poucos. A grandiosidade está debaixo do meu pé, acima da minha cabeça, à minha direita e à minha esquerda, à minha frente e detrás de mim. A tua grandiosidade – sempre tua, porque minha seria apropriação indébita – está sempre me envolvendo. Eu me aninho na grandiosidade sem nome e sem medida, sem direção ou espaço mensurável, porque infinito. Tua grandiosidade é meu ninho.
Me falha a memória ⃰ – o Google é um bom remédio contra a falha de memória - prazer com a dor alheia e prazer na própria dor - Sadismo e masoquismo.
Entendo pq entrei nessa de esquecer as coisas do dia-a-dia; a idade faz-me lembrar dos meus que passaram por isso.