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Entre eu e o tempo: um minuto de silêncio

Atualizado: 22 de ago.


Bruno Guerrero

Aguento este dia de mil anos. Já não há mais planos. Tão somente um zumbido se esparrama e ecoa pelo quarto. Zuuuuuuuiiiiiimmmmm... Ele zune e se derrama pela tinta das pa’redes. Num quarto de minuto diminuto suspiro se esparrama e cresce no fermento de uma espera. Um suspirar me torna leve e indelével, e me transtorna. O silêncio sibila como uma serpente venenosa. A rosa que ganhei há três dias despenca algumas pétalas. Mas nisto já se deram a perder 10 anos. É penoso a falta de palavras, engolidas pelo zumbido, no ouvido da noite que me consome a fome de pensar. Diante da grandeza desmedida da garganta escura fico à beira de explodir. E daí? Que mal há em explodir? É que viro estrelas longínquas e solitárias... De que vale a luz de estrelas, tão só salpicos de luz que se dilui na boca da noite, açoite da solidão?

Somem todas as palavras picotadas, estendidas tal papel velho murcho espicaçado pelos dedos – polegar indica’dor – alinhadas no caos da imensidão, que as engole voraz, e delas se alimenta, tapete desbotado no vão dos céus, em vão. Canta longínquo o bem-te-vi que não me vê, embrenhado nos acúleos dos pinheirais, ou em largas franjas dos coqueirais.  São meus ais de tempos que não se medem, imensuráveis recordações de alguma coisa que se foi, sem que a possa cingir mais com meu olhar.  É no som comprido e espichado piado na manhã sem fim, perto do meio-dia, que ele chama. Quem? Talvez o companheiro que se foi. Não. Talvez seja o filhote solitário reclamando a mãe. O pai. Sim!!! É o filhote! Este sou eu que caí do ninho rodopiando e piando solitário, me esborrachando na dureza do chão de um dia a dia que me aninha e que me pia sem dó nem piedade na caverna escura dos meus ouvidos.

Sangue suor e lágrimas dão um bom drink que entontece o que acontece ao derredor, menor que tudo, maior que o nada, que nada em águas cristalinas do amor, senhor de tudo o que é. Tim-tim! É Assim... Ai de mim! Pra quê ‘eu’ se o tu é tudo? Meu eu acontece nos teus olhos, é no olhar do tu que me concebes e me bebes. É um eu fundido, perdido de si próprio que é apenas tu, que no fundo sou eu. Tudo o que quero hoje é o silêncio. Mas um silêncio feito de luz, sem rastros nem zumbidos. Não quero o escuro, a não ser feito de tochas e velas, candelabros e faróis. Sou andarilho num caminho de destroços. Que faço eu com minhas mãos cheias de cacos e ninharias? És o ‘tu’ que me ditas, e eu medito. Vejo as coisas por lâminas: uma da unha, outra do dedo, outra da mão, outra do braço, do cotovelo, do ombro, dos encaixes, até que todo o corpo tome forma e o humano brote. Às vezes vem um ciclone (chicote?) e se dispersam pedaços, lâminas que o vento espalha cortantes aos desavisados, que sangram, gemem e choram, Frankenstein sem cola, nem costura que lhe conceda identidade. E vem a cal’Maria, unguento de esfacelado sonho. E me ponho em pé, naquilo que não vejo. (????????) Existe uma luz, onde quer que eu esteja, que me mostra – não importa o que eu veja – que não sou o que vejo, nem o que desejo, mas aquele que vê e aquele que deseja. Um observa’dor.


See it in English:

Between me and time a minute of silence


I endure this day of a thousand years. There are no more plans. Just a buzz that spreads and echoes through the room. Zuuuuuuuiiiiiimmmmm... It hums and spills over the paint on the walls. In a quarter of a tiny minute, a sigh spreads and grows, fermenting in the wait. A sigh makes me light and indelible, and it unsettles me. The silence hisses like a venomous snake. The rose I got three days ago drops a few petals. But in this, ten years have already slipped away. The lack of words is painful, swallowed by the buzzing, in the ear of the night that consumes my hunger to think. Faced with the immense grandeur of the dark throat, I am on the verge of exploding. So what? What's wrong with exploding? It's just that I see distant, lonely stars... What's the point of starlight, just splashes of light that are diluted in the mouth of the night, the scourge of loneliness? Add up all the chopped up words, spread out like old, withered paper pricked by fingers – index thumb – aligned in the chaos of the immensity, which swallows them voraciously, and feeds on them, a faded carpet in the void of the heavens, in vain. In the distance sings the saw-you (a little bird) who doesn't see me, hidden in the thorns of the pine trees or in the broad fringes of the palm groves. These are my woes of times that cannot be measured, immeasurable memories of something that is gone, without me being able to encompass it any longer with my gaze. It is in the long, drawn-out sound chirping in the endless morning, close to noon, that he calls. Who? Maybe the companion who left. No. Maybe it's the lonely cub claiming its mother. The father. Yes!!! It's the puppy! This is me who fell from the nest, spinning and chirping in solitude, crashing down on the hard ground, from a day to day life that nestles me and chirps at me, without pity or mercy, in the dark cave of my ears. I see things in layers: one of the nail, another of the finger, another of the hand, another of the arm, the elbow, the shoulder, the joints, until the whole body takes shape and the human emerges. Sometimes a cyclone (a whip?) comes, scattering pieces, layers that the wind spreads, sharp to the unsuspecting, who bleed, groan, and cry, a Frankenstein without glue or stitching to grant it identity. And then comes the quiet calm, a balm for shattered dreams. And I stand up, in what I cannot see. (????????) There is a light, wherever I am, that shows me—no matter what I see—that I am not what I see, nor what I desire, but the one who sees and the one who desires. An observer


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