(Sequência do texto inicial de Caminhos percorridos na busca da verdade)
Aprendi a meditar por iniciativa própria, ou “autodidatismo”. Nunca simpatizei muito com este termo autodidata. Por um bom tempo cheirou muito a menosprezo. Como se aprender fosse só privilégio dado em um lugar institucionalizado, e não fosse algo completa e primordialmente parte da vida. Os animais aprendem, as plantas, buscam o sol, e o ser humano, com a intelectualidade que lhe é peculiar, não é diferente. Ah, a digressão...o recorte do patch work de uma reflexão... Falava em meditar...
Quando morava na praia fui comprando livros sobre meditação, e enchi duas prateleiras da minha estante de vime, em forma de arco. Fui me especializando, na teoria e tentando exercitá-la na prática. Meditar é como sair de uma hipnose mundana e ir despertando para dentro, até entender-se que não há fora e dentro. Mergulhei na fascinação do ato de meditar e seus efeitos sublimes de mergulho em mim mesma. Um mim mesma que eu desconhecia até, pasmem, os meus quase 40 anos! Meditei por uns 5 anos, em casa, de manhã cedinho, tipo 5 da manhã, quando podia me dar ao luxo de ficar só e ouvir o chiado do mar - morava bem na frente. Um adendo: meditar não é ficar pensando, como eu entendia antes de me informar nos livros sobre o assunto. Talvez muitos a entendam assim ainda. A grosso modo, fui aprendendo a ficar observando os pensamentos. Como se fosse um filme, onde eu era apenas um observador.
Passaram 5 anos, a vida mudou, me mudei para o centro da cidade, precisei me voltar às exigências do mundo. Soltei-me de uma relação doente. Não que fôssemos, eu e ele, doentes. Mas nossos propósitos e nossas escolhas começaram a se conflitar. Quando ignoramos nossos conflitos, nos imaginamos cair doentes. Talvez houvessem conflitos desde o início, 14 anos antes. Mas lá havia a urgência de sobreviver à solidão e à inconformidade com a vida. Imaturidade? Não creio. Estamos sempre aptos a dar uma guinada, quando a exaustão nos vence.
Não encontrei mais tempo, lugar ou oportunidade de dar sequência ao ato de meditar. Falta de interesse? Talvez. Mas , claro, por força ainda de conflitos de interesses, onde sempre a urgência nos empurra fora do insuportável, sem exigir muita análise intelectual. Imagino que sempre há algo oculto nas nossas transformações, e que estas não ocorrem no absoluto acaso. Uma das causas de interromper meu meditar (pois de fato nunca abandonei por completo) pode ter como alicerce meus medos. Principalmente medo de me dissociar mais ainda, no ato de sair de mim, e mergulhar na esquizofrenia dos altos e baixos da emoção. Entendi, com a passagem dos anos, que meditar não é sair de si, mas mergulhar profundamente no si mesmo que cada um se percebe. Dá medo? Dá! Estas percepções sutis nos unem no oceano do espírito, que é um só, e o medo de diluirmos nossa identidade nos joga muitas vezes na procrastinação. Mas também aprendi com a vida que a identidade é o próprio espírito do humano. Espírito é inviolável, eternamente vida, não importa a força das marés.
Esta coisa de sair fora de si mesma e ficar observando me acompanha desde criança. E a princípio não me trazia medos à tona. As coisas ficavam bizarras, às vezes, cômicas, incongruentes. Um par abraçado, se movendo ao som de uma música, numa festinha, me era esdrúxulo, beirando o ridículo. Talvez dançar não coubesse na minha realidade de adolescente aprisionada por um pai extremamente severo. Era fora do meu contexto. Mas esta visão esdrúxula me parecia ser algo muito meu, e não efeito de uma condução moral. Me parecia muito mais uma sensação de absurdo, que só eu percebia. Pior ainda, é que me parecia fora da percepção e do contexto dos outros.
Eu parecia a única a perceber que todos representavam personagens, crendo-se eles que absolutamente ninguém percebia esta representação. Era como se eu quisesse gritar : Gente! Parem com esta palhaçada, eu sei de tudo, e não quero participar desta baboseira toda! A vida me parecia uma grande encenação. E às vezes ainda me parece, mas hoje lido melhor com isto. Aprendi a ter piedade, por mim, e pelo mundo. Quando descobrimos o poder da misericórdia, começamos a entrar em paz conosco mesmos.
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