Abaixo segue o primeiro filho "bastardo" 😁😁😁
(Leia o post Meia hora de escrita por dia)
Eu vejo uma quitanda, um panda, um pandeiro e uma sanfona, um píncaro de neve...uma branca de neve que jaz no nada, sem poder ser encontrada e finalmente despertar. Que loucura desbragada...É uma secura extrema. O deserto estéril de Sara. O chão se racha, árido de chuva e pó e pólen, vazio de arado e enxada e braços e raízes. Uma vez foi barro úmido, argila que se amolda, mas agora é barro empedrando e empedrado. O oposto da terra de leite e mel. Nada de doce tem. É fel, absinto que sinto e me ressinto. O barro da minha silhueta. Simplesmente barro. Embora ninguém queira provar do seu sabor, nem se lambuzar, a não ser a inocência da infância.
O barro de que dizem que sou feita é uma coisa que não fala, nem pensa, nem anda, nem deseja, nem almeja coisa nenhuma. É o nada, argila só. Pó. A coisa, o bruto, a pedra, a rudeza do impacto, o esfola joelho, o quebra dente, o murchar, silenciar, quedar, apodrecer e ser tragado pela terra, barro mudo, frio. Mas todo poderoso, um falso senso de sabedoria decreta a morte, ousa se impor, cria e descria quando bem entende.
É disto que sou feita? Do vazio de se saber nada? Pode o nada saber alguma coisa? Ou alguma coisa ser? Ah, o barro seco e trincado... Ah, um machado que nada tem a cortar nesta aridez! Inútil aço afiado, que junto com a força do braço parte o tronco, atora o galho, concebe a lenha, a choupana, a maloca, prenúncio de abrigo ao sol, à chuva e ao vento. Ai se eu fora um machado, seria um achado para decepar minhas dores, com muito mais dores, talvez. Nem bem-te-vi se ouviria neste dia, porque sem ter ninho pra se abrigar se afogaria na torrente do meu pranto.
Sou estéril em dias de água abundante. Verte da dor inútil que murmura da secura, clama pela ternura ainda que imaginada. Fala, e por fim grita um grito de algoz, na aridez que expulsa qualquer verde, que vive mesmo é no fogo do sol, na água que afoga quem não sabe nadar, e na terra preta e solta onde a raiz avança em esperança, sempre. Esta parece até ser eu mesma, seca e vincada e trincada e dura por fora. Já por dentro terra preta frouxa, cheiro de humus, fofa, perfeito berço para as sementes se abrirem e lançarem seus frágeis braços e pernas e bocas - a vida - sugar fiapos de raízes, e se afundar no fundo mais profundo da terra que as acolhe e fecunda. Em alimento e sombra se convertem.
Eu experimento o gosto do barro, quando estou de mal comigo mesma. A minha alma vomita os restos que sobram do meu eu em construção. Acho que é a minha alma que quer voltar ao pó, quando se vê nua de utilidades. Inútil. Isto é o que sou quando verto lamúrias pelos poros. Alguém já se sentiu assim? Já? Alguém? Há alguém aí? É o que minha alma sedenta nesta secura pergunta. Grita. Esperneia feio bebê manhoso. E volta ao abismo do envelhecer. Sim, há alguém, ou talvez algo perceptível. Se há o percebido há quem o percebe. Talvez pele que teima em se afrouxar despencar e soçobrar, como um navio sem comando diante da tempestade, no oceano revolto. A pele dobra em pregas pelo ser afora, e resfolega num fole que nada tem de sanfona, desta que alegra a gentarada.
Pálpebras moles, frouxas, bigode chinês... quem fez? O Senhor, meu Deus? Quem traz o nada frente aos meus olhos de infinito, como abismo que me traga, me esmaga como um inseto vil? Ah quem me dera ser um funil! Tragaria a vida e seus afetos todos de fora para dentro. Adentro mais um pouco na garrafa, ou talvez numa lâmpada de Aladim queimada, onde toda a minha alma é confinada, e meu âmago é restrito a supor-se apenas. Nem penas de pássaros me dão pena nem me regozijam. Minhas asas foram cortadas e o sangue ainda goteja neste vazio de mim.
escrito em 25-11 - 2022
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